terça-feira, 16 de agosto de 2011

Sobre o rigor da ciência



"...Naquele império, a Arte da Cartografia alcançou tal Perfeição que o mapa duma Província ocupava uma Cidade inteira, e o mapa do Império uma Província inteira. Com o tempo esses Mapas Desmedidos não bastaram e os Colégios de Cartógrafos levantaram um Mapa do Império, que tinha o Tamanho do Império e coincidia com ele ponto por ponto. Menos Dedicadas ao Estudo da Cartografia, as Gerações Seguintes decidiram que esse dilatado Mapa era Inútil e não sem Impiedades entregaram-no às Inclemências do Sol e dos Invernos. Nos Desertos do Oeste perduram despedaçadas Ruínas do Mapa habitadas por Animais e Mendigos; em todo o País não há outra relíquia das Disciplinas Geográficas."

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Brasilis filosoficus

 
 
“Embora tenhamos uma imensa mitologia construída em cima de nosso jeito piadístico, no momento de pensar não admitimos piada. Queremos a coisa séria. Frases na ordem inversa, palavras raras, citações latinas – e é impossível qualquer piada em latim, creio. [...] Estranha gente, esta. Gaba seu inimitável jeito piadístico, mas na hora das coisas ‘culturais’ mergulha num escafandro greco-romano”.

“Mergulhado num escafandro greco-romano – embora não seja nem grego nem romano – o brasileiro foge de sua identidade”

Roberto Gomes

terça-feira, 8 de março de 2011

Os mortos

Os mortos

os mortos vêem o mundo
pelos olhos dos vivos

eventualmente ouvem,
com nossos ouvidos,
       certas sinfonias
                 algum bater de portas,
       ventanias

           Ausentes
           de corpo e alma
misturam o seu ao nosso riso
           se de fato
           quando vivos
           acharam a mesma graça
                
GULLAR, Ferreira. Muitas Vozes, 1999.

domingo, 26 de dezembro de 2010

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

UM PEQUENO PARÊNTESE OU COMO TRANSAR COM CLARICE LISPECTOR


Se estou prenhe de idéia, então a leitura é o sexo, que é quando meu ser se relaciona com o outro[ser] em busca de prazer para parir, em périplo, a palavra que é vida.
Sem a presença substancial do outro não se faz sexo.
Assim, se nossos filhos são a forma de nos prolongarmos no outro, então o homem é Deus em seus filhos.
Toda escrita implica uma metafísica, mesmo que o limite para a linguagem seja seu uso.
“A dor de dente que perpassa esta história deu uma fisgada funda em plena boca nossa”.
Se sinto algo por Maria, cabe a Maria me dizer o que sinto, mesmo que eu acredite que “a verdade é sempre um contato interior e inexplicável”.
Só tenho vida interior ou contato íntimo porque tenho palavras para expressá-la.
Volto à Maria. Penso em Maria. A Maria que penso agora existe? Eu que penso Maria existo sem Maria?
Mas trago à luz algo de novo e puro que, no entanto, já era em Deus. Esse Deus todo que a tudo subsiste. Que é todo poderoso e que garante a verdade.
Nem por um átimo a verdade é relativa.
Não há nada que sustente a verdade porque Deus é a palavra em ato puro. Lembrando que Deus não poderia ser palavra fora do tempo, eterna, e sim, o eterno movimento da palavra.
Agora me pergunto o que vale mais a pena: discutir o sexo dos Anjos ou a sexualidade de Deus? Ou nem um nem outro, se me lembro que se Fernando Pessoa tivesse casado com a filha da lavadeira, nós não teríamos Álvaro de Campos, mas talvez fossemos felizes...

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Do Desejo, Hilda Hilst

I
Porque há desejo em mim, é tudo cintilância.
Antes, o cotidiano era um pensar alturas
Buscando Aquele Outro decantado
Surdo à minha humana ladradura.
Visgo e suor, pois nunca se faziam.
Hoje, de carne e osso, laborioso, lascivo
Tomas-me o corpo. E que descanso me dás
Depois das lidas. Sonhei penhascos
Quando havia o jardim aqui ao lado.
Pensei subidas onde não havia rastros.
Extasiada, fodo contigo
Ao invés de ganir diante do Nada.

***

IV

Se eu disser que vi um pássaro
Sobre o teu sexo, deverias crer?
E se não for verdade, em nada mudará o Universo.
Se eu disser que o desejo é Eternidade
Porque o instante arde interminável
Deverias crer? E se não for verdade
Tantos o disseram que talvez possa ser.
No desejo nos vêm sofomanias, adornos
Impudência, pejo. E agora digo que há um pássaro
Voando sobre o Tejo. Por que não posso
Pontilhar de inocência e poesia
Ossos, sangue, carne, o agora
E tudo isso em nós que se fará disforme?

Existe a noite, e existe o breu.
Noite é o velado coração de Deus
Esse que por pudor não mais procuro.
Breu é quando tu te afastas ou dizes
Que viajas, e um sol de gelo
Petrifica-me a cara e desobriga-me
De fidelidade e de conjura. O desejo
Esse da carne, a mim não me faz medo.
Assim como me veio, também não me avassala.
Sabes por quê? Lutei com Aquele.
E dele também não fui lacaia.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Ode à Alegria

(de Friedrich von Schiller, tradução do original, tal como se canta na nona sinfonia de Ludwig van Beethoven.)

(Barítono)

Oh amigos, mudemos de tom!
Entoemos algo mais agradável
E cheio de alegria!

(Barítonos, quarteto e coro)

Alegria, mais belo fulgor divino,
Filha de Elíseo,
Ébrios de fogo entramos
Em teu santuário celeste!
Teus encantos unem novamente
O que o rigor da moda separou.
Todos os homens se irmanam
Onde pairar teu vôo suave.
A quem a boa sorte tenha favorecido
De ser amigo de um amigo,
Quem já conquistou uma doce companheira
Rejubile-se connosco!
Sim, também aquele que apenas uma alma,
possa chamar de sua sobre a Terra.
Mas quem nunca o tenha podido
Livre de seu pranto esta Aliança!
Alegria bebem todos os seres
No seio da Natureza:
Todos os bons, todos os maus,
Seguem seu rastro de rosas.
Ela nos dá beijos e as vinhas
Um amigo provado até a morte;
A volúpia foi concedida ao verme
E o Querubim está diante de Deus!

(Tenor solo e coro)

Alegres, como voam seus sóis
Através da esplêndida abóboda celeste
Sigam irmãos sua rota
Gozosos como o herói para a vitória.

(Coro)

Abracem-se milhões de seres!
Enviem este beijo para todo o mundo!
Irmãos! Sobre a abóboda estrelada
Deve morar o Pai Amado.
Vos prosternais, Multidões?
Mundo, pressentes ao Criador?
Buscais além da abóboda estrelada!
Sobre as estrelas Ele deve morar

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

EU NUNCA SEI QUANDO AS ESTÓRIAS ACABAM. POR ISSO SEMPRE FICO PRESO ENTRE UMA E OUTRA, OU ENTRE NENHUMA E NENHUMA OUTRA; ENTRE UM RECOMEÇO SEM FIM E UM FIM SEM TÉRMINO. TALVEZ POR SER MAIS ESPECTADOR OU COADJUVANTE, DO QUE PROTAGONISTA DA MINHA VIDA, TENHA ESSA ENFERMIDADE DE NÃO DAR CONTA DE QUANDO BAIXA O PANO. AS LUZES APAGAM, O PÚBLICO SAI, OS COLEGAS LIMPAM A MAQUIAGEM E EU CONTINUO LÁ: COM A FALA NA CABEÇA, O TEXTO DECORADO, AGUARDANDO A DEIXA. A DEIXA QUE NUNCA VEM. SEMPRE TIVE MEDO DAS COISAS E DAS PESSOAS. UM PAVOR E UMA FALTA DE FÉ. TALVEZ POR ISSO EU TENHA CRIADO MINHA PRÓPRIA COMPANHIA TEATRAL, ONDE SOU DIRETOR; CONTRA-REGRA; ATORES E PÚBLICO. ENCENO SÓ PARA MIM UMA TRAGICOMÉDIA. A REALIDADE ME FAZ TÃO MAL E ME DEIXA TÃO FRACO QUE FICO, NO FUNDO DO PALCO, MUITAS VEZES, A SUSSURRAR O TEXTO A MIM MESMO. ÀS VEZES NÃO OUÇO. QUASE SEMPRE NÃO OUÇO, PORQUE SUSSURRO BAIXO E MINHA VOZ É TRÊMULA... O PÚBLICO NÃO ENTENDE A PEÇA, LOGO, NÃO APLAUDE. EU, FURIOSO, DEMITO A TODOS: AO AUTOR; AO DIRETOR; AOS ATORES... EXPULSO O PÚBLICO DO TEATRO E ATEIO FOGO A TUDO. E ALI DENTRO FICO EU, JUNTO ÀS CORTINAS E AOS HOLOFOTES, INCANDESCENTES; QUEIMANDO, QUEIMANDO, QUEIMANDO...

Sobre o autor:
Alejandro da Costa Carriles é um escritor carioca que reside na cidade de Petrópolis.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Acerca da filosofia diletante

O que é isto – a filosofia diletante?(5) O primeiro ponto que se nota quando alguém fala em filosofia diletante é que, por oposição, deve haver uma filosofia não diletante, uma filosofia séria. Levar-se à sério, nesse sentido, é obedecer aos cânones da academia. Se assim é, então talvez a tal filosofia diletante não mereça o tom pejorativo que normalmente carrega a expressão. Ora, não parece uma conseqüência necessária que dos moldes acadêmicos de se produzir “pensamento” resulte algo original ou ao menos algo “sério”. Mas antes, o que significa dizer que algo é sério?(1) Qual é o critério para determinar se algo é mais digno de respeito do que outro?(2) E para quê devemos respeitar a tradição?(3) Pois, se se entende por respeitar curvar-se diante daquilo que está pronto, talvez seja realmente preciso desrespeitar o “pensamento pensado”. Daí a velha pergunta que tanto incomodou e ainda incomoda: afinal, para quê filosofia?(4) Se a filosofia é apenas um modo de se conseguir um título, então parece que esta fórmula não apresenta nenhum problema. No entanto, se o objetivo do pensamento filosófico é oferecer uma prática que leve o homem a buscar respostas aos problemas insolúveis de sua existência – insolúveis sim, porque respondê-los é o que menos importa –, então, tal como Descartes, mas em sentido inverso, é preciso se desfazer do princípio de autoridade que a tradição representa para buscar uma filosofia que possa fazer sentido.